15 setembro 2006

Translúcido


Os seus olhos passavam o tempo a chocar com a curva das minhas pernas, a debruar-me os joelhos, a perfurar-me o côncavo obscurecido da junção das pernas, a gingar nos meus decotes como se as pupilas pudessem acariciar. Facilmente passou para a expressão verbal elogiosa às aberturas em vê das blusas e às saias diáfanas.

Experimentámos várias vezes o tecido de que as nossas epidermes eram feitas para confirmar se dava para um fato à medida e confesso até que o pano caía bem por todos os interstícios do corpo, conclusão que nos conduziu a juntar os trapinhos, num período experimental, que nesta época já ninguém compra nada de olhos vendados.

Curiosamente, a partilha da mesma roupa de cama estimulou-lhe despertares povoados de conselhos para que vestisse camisinhas mais compostas e de preferência, com colarinho, não fosse algum centímetro de pele aparecer. Saíam-lhe alvitres para que usasse calças menos cingidas à cintura, ou em bom português, para que não destacassem o rabo. Até me instigava a envergar saias opacas, daquelas em que não se adivinhasse o contorno das pernas. Acudiu-me à memória a história da minha amiga que de casa partia tapada até à última vértebra do pescoço e fazia do porta-bagagens um guarda-vestidos de tudo o que era mais atraente à vista, do género grinaldas pisca-pisca.

A solução para este diferendo foi comunicar-lhe que colocada na categoria de electrodoméstico, dava por findo o tempo de experimentação, por uso indevido do utilizador que pretendia trocar as componentes de origem do aparelho.

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