11 setembro 2006

A visita...

Por Charlie, foto: Imagens


Não sabia ao certo como tinha ido parar ali. Não me lembrava de ter memórias antigas e sem saber porquê, todo o conhecimento de mim próprio cabia em poucas horas. Muito vagamente umas leves impressões de como olhara para o Sol a pôr-se antes do anoitecer que agora terminava, umas deambulações por aqui e por ali meio perdido e depois, sem ter noção precisa, o aparecimento naquele espaço onde agora me encontrava, e onde descansara sem saber em que sítio exacto, deixando-me envolver pelo manto suave do cansaço após ter fixado o meu olhar na beleza daquele ser que estava deitada à minha frente.
Os primeiros raios a ameaçar rebentar o horizonte, ao entrar pelos rasgos da persiana, fizeram-me despertar e inspirar fundo o puro gozo de existir.
Estava dono duma leveza inebriante, ultrapassando os limites dum corpo que nem sentia, e todo o espaço me cabia num gesto.
Olhei para um lado e para outro, mudei de posição sempre com ela na mira. Era linda, toda suavidade e maciez, um hino à feminilidade despertando todos os quereres. Atrevi-me a aproximar levemente do seu ombro, tocá-lo e saborear o leve aroma que a sua pele exalava, mas hesitei no último instante. Não sabia como ela iria reagir ao meu afago, ao meu toque, e agora que estava tão próximo dela todo o desejo avivava, fazendo crescer a agua na boca, mas no último instante resolvi adiar por momentos o encontro com o meu desejo. Senti o calor do seu corpo e de como ela nesse mesmo momento, ao mover-se na cama, despertara do seu sono. Afastei-me devagar de forma discreta sem que tivesse dado pela minha presença. Ali para o fundo do quarto onde fiquei olhando para ela que entretanto, se levantara.
Mesmo sentindo que não tinha corpo, escondi-me atrás das franjas do cortinado que estava aberto, expondo as nesgas da persiana por onde o ar fresco entrava enquanto seguia como ela deambulava pelo quarto e expunha toda a sua nudez apetitosa aos meus instintos e apetites. As curvas do corpo, o brilhar dos olhos, o convite dos lábios húmidos, o mundo dos aromas que me chegavam aos sentidos.
Saiu e voltou depois duns minutos exalando vapores e aromas novos, adocicados. O cabelo molhado que ela massajou com uma toalha e que sujeitou depois à disciplina dum pente.
Vestiu um roupão e foi para outro compartimento.
Resolvi segui-la.
Agora era uma cozinha.
Cheiros muito diversos enchiam-na por completo e olhando melhor para ela via agora como expunha uma orelha por entre a suave nuvem de cheiros que saíam do seu cabelo ainda húmido.
Abriu uma porta e tirou um recipiente. Encostou-o à boca e de olhos fechados deleitou-se lenta e gostosamente.
Foi então que me aproximei do ouvido exposto por entre a sinfonia de tons reflectidos vagamente pelo sol a nascer e que através da janela incendiavam o cabelo em doces chamas e nuances. Cheguei-me lentamente a ela, cada vez mais próximo, até ficar a um mero nada de lhe dar um beijo, e passear-me por ela e saborear a beleza do seu corpo....
Assustei-me pois repentinamente ela pareceu ter dado pela minha presença, rodando a cabeça com os olhos a seguir vagamente onde eu poderia estar. Não sei como ela deu por mim, pois nem eu próprio tenho noção de ocupar espaço algum.
Escondido por trás dum armário vi como ela mexeu num botão na parede.
Um milagre tomou repentinamente forma. Toda uma alegria instalou-se de repente naquele recinto. Tudo ficou inundado duma luz intensa e bela. Uma verdadeira maravilha, um paraíso para os sentidos e um apelo irrecusável de beleza e excelência. Todo o espaço ficou recheado dum jogo extraordinário de efeitos de cor e brilhos irreais, verdadeiros prodígios para o sentido da visão. Que maravilha pensei. Por um instante esqueci-me dela e com toda a luz no olhar desloquei-me atraído pela dança que se espalhava pelo recinto da cozinha. Por todo o lado a luz me inebriava e atraia, mas ali, num ponto que de repente descobrira, tudo era mais belo e apelativo, toda uma grandiosa sinfonia de luz a correr em nascente. Chamava-me e dava-me corpo. Quase que me tinha esquecido da mulher que agora parecia estar a ver-me.
Levado pela minha alegria passei novamente junto a ela, e enquanto me deslocava na direcção da fonte de todo aquele fantástico apelo, olhei-a maravilhado nos olhos. Sorria-me e eu sorri para ela um mero instante antes de sentir todo o meu ser atravessado por uma forte vibração ao mesmo tempo que toda a luz se incendiava para me deixar depois mergulhado na completa escuridão sem que tivesse mais noção do meu existir.
Cá em baixo, com o pacote de leite encostado aos lábios, ela bebia a satisfação da vitória rápida sobre a incomoda mosca que desde a manhã a perseguira...

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