– És parvo ou quê?!
Ele fitou-a, semicerrou as pálpebras, alinhou os maxilares e cerrou os dentes para fazer os lábios mais finos, tudo para endurecer a expressão como via fazer nos filmes, e perguntou em falsete, estragando qualquer efeito conseguido com o olhar, os dentes e os lábios:
– Desculpa?!
– És parvo? – tornou ela, com ar e tom naturalmente duros.
– Porquê? – balbuciou ele, confundido.
– Estás aí há duas horas e não me dizes nada?!
– E porque é que havia de dizer? – respigou ele, tentando perceber o que lhe estava a acontecer.
– Estás há duas horas a olhar para mim!
– Para ti?!
– Não estávamos a trocar olhares?!
– Eu, contigo?
– Sim, tu, comigo!
– Não!
– Não?!
– Não.
– Ah! – A tipa encavacou e emudeceu, corou e emburrou, agarrou-lhe no copo e emborcou, sorriu palidamente e seguiu.
Ele procurou-a, mas já não a viu. “Estúpida desta gaja, agora a outra foi-se embora! Duas horas! Duas horas...”
Agarrou no copo vazio “e ainda me bebeu a cerveja, isto ao menos...”, procurou avistar a empregada, mas só viu a tipa que o interpelara voltar para trás, sem olhar para ele. Confirmou que o lugar dela na outra mesa ainda estava vago. “Ficou desorientada, é bem feita!”
– Podemos começar de novo? – perguntou, tocando-lhe no braço.
– Desculpa?! – Espantou-se ela, parando.
– Eu chamo-me... chamam-me António – apresentou-se com o seu melhor sorriso. – Parece que ouve um mal entendido...
– Parece que está a haver um agora!
– Agora?!
– Ela já lá não está, não é?
Ele procurou-lhe os olhos, fez uma pausa, olhou para o lugar que a outra ocupara e respondeu:
– Pois não, ela já lá não está, mas estamos nós. Posso pedir uma imperial para ti ou bebes a minha outra vez?
Ela riu. Gostou da sinceridade.
– Podes, podes pedir uma para mim, António.
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