04 maio 2011

A prostituta azul (IX) - Sílvia

Sempre procurei os deformados, os feios, os pequenos e gordos e envelhecidos e desinteressantes. Procurei os que poderiam causar ódio ou repulsa ou medo ou piedade ou... Fui capaz de lhes dedicar a ternura maravilhada de quem encontra uma gota de água belíssima no meio de uma enorme, castanha, poça de lama; sempre lhes vi a gota de água brilhante. Mas não foi por dó, não foi bondade, não foi por qualquer motivação bonita e superior como todos julgaram. Foi por uma qualquer espécie de empatia, só eles eram como eu, só eles seriam capazes de gostar de mim. Porque, na verdade, eu sou feia, pequenina, gorda, vulgar e pouco inteligente. E, só assim, o poderia ser à vontade, sem me sentir obrigada a tentar ser mais do que sou. Sempre que um dos outros, dos que são mais do que uma gota, duas ou três na poça, talvez água em vez de lamaçal, se aproximou ou me elogiou, fui incapaz de sentir o elogio como meu; quando me disseram bonita ou qualquer outra coisa feita de água, sempre julguei que falavam de uma outra pessoa, que não era comigo, que não me viam bem, nunca levei a sério, tudo me sobrevoou sem nunca tocar a minha pele. Não, não existe nada de errado com a minha auto-estima, eu gosto bastante de mim, assim, sem ser grande coisa, só com a minha gota de água no meio de um lodaçal, sem o esforço aflitivo de mostrar a beleza que me possam supor, eu gosto da paz de saber, sem hipótese para argumentação, sem dúvidas, que sou lama; aquilo que angustia e magoa todos os seres humanos é a luta interna contra a sua própria deformidade. E, quando a conseguem ver, é assim que eu quero que me encontrem, existe uma qualquer ternura, um amor sem igual, em alguém que encontra, que se dá ao trabalho de me encontrar algo tão pequeno no meio de uma fealdade tão imensa. Só esses tiveram o meu corpo, a minha paixão, até o meu amor; tudo foi sempre inspirado, alimentado, por esse olhar que perdoa e acarinha um negro tão grande, tão grande, só por um pontinho brilhante, esses, surpreendidos, quase incrédulos, fundamentaram o seu afecto no quase inexplicável.

(Sílvia)


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