Eu
perguntei “Então e a…?” depois de o cumprimentar e de termos dito e concordado que
já não nos víamos há muito tempo mas ele levantou a mão direita, da qual me
mostrou a palma e calou-me.
–
Nem me digas nada – suspirou, voltando a palma da mão para si e ficando a olhar
para ela.
–
Não? – perguntei, abanando a cabeça para reforçar a solidária negativa.
–
Não – repetiu ele, também a abanar a cabeça com uma expressão de cão sem dono.
– Nem me fales nessa gaja. – Eu encolhi os ombros noutro gesto prenhe de
compreensão e solidariedade e olhei para o chão. As pedras da calçada
pareceram-me estranhamente tristes. Ele agradeceu com a cabeça e continuou: – A
gaja foi o pior que me aconteceu na vida, pá. O pior!
Sorri
do ar trágico com que o pior foi dito e lancei como se fosse um desafio:
–
Pior do que quando partiste a perna?
–
Muito pior.
–
Pior do que quando estampaste o carro do teu pai?
Ele
riu com displicência.
Eu
insisti:
–
E ficaste em coma três semanas e perdeste o ano e partiste a omoplata, a perna
e o colo do fémur?
Ele
hesitou, olhou-me fixamente, moveu o ombro para cima e para baixo e depois em
movimentos circulares, esticou a perna e olhou para o pé.
–
Pior – anunciou, depois de voltar a cruzar o olhar com o meu. – A gaja foi pior
que isso tudo, pá. Foi mesmo a pior coisa que me aconteceu na vida – concluiu
com suspirada convicção e deslocados olhos de carneiro mal-morto.
–
Bolas… – deixei escapar.
–
E sabes o que é pior?
–
Ainda pior?! – Espantei-me e olhei para o chão. Apesar do calor, as pedras da
calçada apresentavam uma inexplicável humidade. “Provavelmente já conhecem a
história”, pensei.
–
É que se ela me ligasse agora para ir ter com ela, eu ia, pá. Eu ia…