21 dezembro 2012

"Nas tuas mãos"

Quando o viu aproximar lembrou-se de Florentino Ariza. Do Florentino Ariza que imaginou enquanto lia “O Amor nos Tempos de Cólera”. Faltava-lhe o chapéu mas de resto parecia-se com a imagem que fez da personagem enquanto a meio da vida adulta aquele se embriagava em sexo clandestino. Imaginara-o mais novo e mais alto. Mais descontraído e – via-o caminhar na sua direcção abrindo um sorriso tímido, incerto – mais leve. Até o ver nunca tinha pensado em Florentino Ariza mas agora, sabia-o com a certeza dos factos demonstráveis cientificamente, nunca os conseguiria dissociar. Nunca vira o filme mas tinha a certeza que o homem que parara à sua frente era muito mais aquele que o Bardem.
– Olá – cumprimentou-a o homem, abrindo um sorriso radiante que se espalhava pela face e pelos olhos.
– Olá – respondeu ela, aceitando os beijos que ele lhe deu.
– Acho que nem precisava do livro – gracejou ele.
– Para me reconheceres? – Perguntou ela, atabalhoadamente, sem conseguir decidir se lhe falava na parecença que lhe achava com a personagem literária. Havia muitas conotações e variáveis. Havia muitas ou nenhumas explicações para dar. Havia ideias e juízos que ele podia ou não fazer. Calou-se.
– Sim, claro – respondeu ele, sorrindo, enquanto esticava o braço, apontando para a esplanada onde se iriam sentar. – Vamos?
– Sim – disse ela, começando a caminhar. Ele parou para lhe dar passagem. Ela deu dois passos e voltou-se para trás. Não era Fermina Daza. Não era Fermina Daza e não ia ser mais ninguém. Esticou o braço e deu-lhe o livro que lhes servira da senha: – É para ti.