01 dezembro 2006

Manhã de chuva.

por Charlie

O dia estava a despertar.

Não como nos dias vulgares em que sentimos o clarear a entrar pelas frestas das janelas, acariciando-nos a pele nos momentos anteriores à luz que nos tinge as pálpebras de bocejos, mas antes como um sonho indefinido a entrar pela vida dentro. Os vidros suavemente embaciados acentuavam o tom estranho mas maravilhosamente cinzento matizado que se filtrava da rua, acompanhado do ritmo irregular de uma chuvinha doce e mansa.
Tic... tic... tic... tic...
- Ai que maravilha, sentir a chuva lá fora, deitadinhos debaixo dos lençóis. – Pensei antes de voltar-me para ela.
Puxei um pouco a roupa de forma a enterrar-me todo dentro da cama, de nariz bem encostado aos seus ombros.
Como me sabia bem o seu cheiro de mulher. Passei um braço por cima dela e encostei bem o meu sexo ao seu corpo, mal atrevendo a pousar a mão em concha no peito pequeno de mamilos em poema*.
Assentei os lábios num beijo suave. Muito suave.
Gosto de ser meigo. O meu beijo foi só um toque dos lábios a emoldurar a língua húmida com que saboreei muito docemente o sal da minha vida.
Tenho gostos simples. Assim como este dar um beijo tão leve - quase só a ponta da língua - num ombro que lhe desperte apenas a transparência dum sorrir, como de quem acorda por dentro do sono para um novo sonho. Um mergulho brilhante no infinito. O sentir-se gota cheia de sol, voar sem tempo e ser-se estrela. . .
Gosto de dormir nu! Completamente nu, sentindo a frescura e o toque do tecido contra a minha pele. Prolongo-me pelo espaço e sinto a liberdade de me saber apenas um fragmento do Universo, um piscar no tempo. Um nada e, simultâneamente, no instante ínfimo que é a nossa vida, o ser tudo; o infinito.
Da primeira vez que dormimos juntos, pedi que dormisse nua também. Toda nua como eu. Fez uma cara meio esquisita. Não estava habituada.
Já lá vão uns quantos anos.
Como o tempo passa...
Encostei-me mais a ela.
De olhos fechados sentindo o calor do seu corpo contra a minha pele, respirava agora toda a sua poesia.
É tão bom acordar ao lado de quem se ama…
Voltou-se para mim.
De repente.
Senti-a fundir-se entre as minhas pernas e braços, os dois rodando num só corpo e as almas a convergir entre o sonho e o quase despertar.
Abriu ligeiramente os olhos e abraçou-me com força.
- Fode-me... - Disse ainda meio a dormir com aquela voz...
A mesma voz que me havia enchido o telefone de sensualidade da primeira vez que tínhamos falado e eu me sentira prisioneiro duma emoção indescritível.
Mordi-lhe docemente o pescoço e desci para os peitos. Muito devagar. Tínhamos todo o dia. Chupei os mamilos com a força que sabia exacta para a fazer estremecer, enquanto as mãos sondavam os mistérios do sonho feito corpo.
Encostámo-nos bem um ao outro e fechámos os olhos.
Lábios em descoberta, corpos em naufrágio, gotas de suor o nosso mar.
Lá fora, o dia escureceu.
A persiana abanou com uma súbita e breve passagem do vento.
Chovia agora com mais força...

___________________
* a propósito de mamilos em poema:

Esse sonho, mamilos em poema,
sublime suprassumo do verso
É sentir tudo em queima
Imersas mãos no mar imenso

É avançar sem terra à vista
Viagem em guia pelas estrelas
Ser navio e ser conquista
Ser nativo, e caravela.

É o céu de olhar fechado
de alma toda aberta em voo
E dizer sem som falado
Amo-te como ninguém te amou...

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