"Lembro-me da primeira vez que perguntei o que era um homossexual. O «brinde» calhou à minha mãe que, ainda a chocalhar por dentro com o impacto, me respondeu que era uma homem que «andava por aí com outros homens» e que a bíblia preconizava como castigo para esse crime, a morte.
Então eu lembrei-me do meu pai, que costumava ir tomar café com um vizinho demorando por vezes horas no paleio, e fiquei preocupada. Será que o meu pai e o Martins mereciam a morte por andarem «por aí» um com o outro? Pelo sim pelo não, talvez a minha mãe não soubesse este segredo. Talvez pensasse que o meu pai tomava café sozinho. E decidi que não lhe contava nada. Está certo que várias horas de conversa sobre o Benfica ou sobre o governo era coisa, no mínimo, demoníaca. Mas... a morte? Teria a minha progenitora enlouquecido?
Andei uns dias a pensar nisto e o meu raciocínio filosófico levou-me a recordar que, já algum tempo antes, quando tinha perguntado o que era uma prostituta, a resposta tinha sido «uma mulher que anda por aí com os homens». O fulcro da questão residia, assim, no conceito de «por aí» com «homens». Continuei intrigada, mas mais tranquila porque não costumava andar com homens, só com rapazes da minha idade e esses não deviam contar. Os homens com quem me relacionava eram sempre da família, de confiança, e nunca andava com eles «por aí». Só em jantares e almoços de família, piqueniques e aniversários. Às vezes, porém, quando voltava da escola e alguma colega me chamava para ver uma montra, entrar no café para comprar umas chiclets ou ir lá a casa ouvir um disco novo, interrogava-me secretamente sobre se aquilo já poderia ser considerado «andar por aí» e se haveria homens por perto."
Didas
Blog Farinha Amparo
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