No calor da paixão, enquanto lhe enfiava a mão dentro das cuecas e lhe sentia as nádegas e o rego do cu, acho que lhe disse – acho, porque não tenho bem a certeza: “Anda… Despe-te! Despe-te e abanca-te na minha fuça!”. E ela parou. Parou imediatamente como se tivesse sido fulminada por um raio, ainda que não tivesse caído para o chão a fumegar. Parou e, por um momento, olhou-me fixamente como, além da surpresa de ter sido atingida por um raio, descobrisse de repente que estava a beijar um alienígena – eu, pelo menos, sob o olhar escrutinador dela senti-me como se fosse de Marte.
E eu também parei, claro – era ridículo continuar sozinho – mas não percebi a razão da paragem abrupta, pois, claramente, ela não tinha sido abrasada por um raio, nem eu sou de Marte – ainda que, às vezes, consiga levá-las à Lua.
Então, depois do curto mas confrangedor silêncio que enquadrou a inexplicável interrupção do nosso caminho para o satélite, do olhar nada devoto com que me brindou como se eu tivesse dito alguma coisa espantosa, ela tentou conter uma onda de risinho nervoso que explodiu em tão descabidas quanto sonoras gargalhadas, entre pedidos de desculpa e tentativas infrutíferas de abafar com a mão na boca as gargalhadas que não paravam. E eu já nem me sentia de Marte, não percebendo nada de nada, nem o motivo de fosse o que fosse, parecia-me que tinha passado a infância, a adolescência e quase toda a idade adulta em Urano ou coisa parecida. “Mas que fiz eu? O que terei dito de tão estapafúrdio que a leve a isto?”, perguntava-me em ânsias, afogado na dúvida, na sexualidade interrompida e na certeza de que nada daí em diante iria ser como eu previra.
E, claro, ainda que já o antecipasse, também não percebi a razão do “desculpa-me, não consigo” que ela disse enquanto se levantava e compunha sem parar de rir – menos os olhos, que me parece que os olhos dela nunca riram como a boca, o corpo ou a garganta; os olhos nunca abandonaram uma espécie de desolada e opaca irritação que ganharam depois de um primeiro e fugaz brilho de espanto.
“E eu fico assim?” perguntei, perplexo mas com bons modos que não me apetecia manter.
Ela olhou-me e as pálpebras ainda se afastaram um pouco mais, se isso era possível, o que eu, pensando agora à posteriori e lembrando-me do seu primeiro olhar, duvido muito. “Assim como?” perguntou sem parar de rir, enquanto endireitava a saia e repunha as cuecas no seu sítio.
E eu calado, sem perceber o motivo da interrupção, sem compreender a razão do esfriamento gargalhado da paixão, sem entender o motivo de ela em vez de se despir estar a compor o que ainda mantinha vestido, procurava com esforço e concentração normalizar a respiração, que o afogueamento não é uma boa base para iniciar um diálogo.
Há anos assim, de seca e penúria, como se as calotes polares já tivessem derretido e andássemos todos em calções e camisolas de cavas aos buraquinhos à espera de uma pinga de chuva e, de repente, quando estamos na rua a apanhar os primeiros pingos na tromba, numa felicidade inominável, num expectativa deslumbrada, apanhamos com um bloco de gelo em cima que nos esmaga todos os ossinhos, que nos congela quase instantaneamente e que nos mirra o membro para proporções microscópicas. Não sei se ela é do bloco mas que me esmigalhou todinho, lá isso esmigalhou.
Se ainda não perceberam nada do que se estava a passar e chegaram até aqui, tenho de vos dizer duas coisas: a primeira é que vos gabo a paciência, a segunda é que vos estais a sentir um pouco como eu me senti: perdido, aparvalhado e arrependido de estar ali – no vosso caso, aí.
Se, por acaso, chegaste agora, segue daqui que eu resumo: homem, mulher, sozinhos, beijos, amassos, mãos exploratórias, roupa a começar a sair, até que ele lhe diz “abanca-te na minha fuça” e, depois, silêncio, imobilidade e, de repente, risos, perplexidade, risos, perplexidade… já deves ter percebido e se queres continuar estás por tua conta e risco.
Agora que uma pausa emperrou a narrativa, podia aproveitar e abrir um parêntesis para falar de sentimentos, dos sentimentos naquela ocasião, mas acho que não vale a pena; se os havia acabaram ali – ou talvez não, o que sabe um narrador, ainda que escreva na primeira pessoa?
Fechado o parêntesis e ultrapassada a pausa para o narrador se dirigir a vossas excelências, poderia seguir a narrativa mas a realidade – a realidade é tantas vezes tão bisonha, tão absurda, tão marcada por uma frase infeliz, por um gesto de que logo nos arrependemos. A realidade é má e atropela-nos! – A realidade, dizia, é que não há mais nada para contar. Nada.
É certo que ainda houve coisas mas nada mais foi o mesmo, os olhos dela não ganharam brilho, eu não percebi nada (e continuo sem perceber) e o que houve – que é como se não tivesse havido – foi feito a despachar: vamos lá a acabar com isto e adeus.
Que pouca sorte a minha...
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