Um restaurante quase vazio. Fim de almoço. Uma mulher e um homem.
– Mas as coisas são simples.
– Achas?
– São, acabam por poder ser: tu podes-me ter, é só quereres.
– Eu não te quero assim.
– Não?
– Não, assim não.
– Não me queres?
– A questão não está no querer. Eu quero-te. Quero-te ter. Quero beijar-te, sentir a tua pele, o teu calor, o teu cheiro... Sim, na verdade quero tudo isso e quero mais... Quero… Quero dar uma…
– Não digas!
– O quê?
– Isso.
– Mas eu quero-te. Quero-te.
– Não é isso.
– Não? Então é o quê?
– Queca, ias dizer queca. Ias dizer, quero dar uma queca contigo, não ias?
– Ia. Não me soou bem mas ia, pareceu-me que era menos…
– Queca soa-me a favor.
– A favor?
– Sim, a favor. Não gosto. Não gosto da palavra queca. Não me diz nada, queca é a palavra mais assexuada, mais desenxabida, mais desinteressante que há e o acto de dar uma queca é igual. É uma palavra triste e feia.
– É menos forte.
– É menos tudo.
– Posso voltar atrás?
– Podes.
– Eu quero foder contigo. Que me fodas. Que te foda.
– Sim… Então, se me queres, tens-me.
– Eu não te quero assim. E não é o querer, é a circunstância, a forma, o modo.
– Estás a complicar o que não necessita de complicações. Sabes o que faço. Sabes o que sou.
– Sei.
– Sempre soubeste.
– Sim.
– Nunca ficou nada por dizer, nem nada por perceber, pois não?
– Não, foi o que combinámos.
– Queres-me…
– Quero.
– Então, encomenda-me uma noite. Encomenda-me por uma noite e tens-me.
– Não te posso ter assim… Nunca te terei assim.
– Não me queres ter…
– Quero… Quero mas não assim, não te quero a pagar, não te quero comprar. Não quero pagar para ter o teu corpo. Quero ter-te. Quero ter-te inteiro. Quero ter-te como tu me terás a mim, toda!
– Mas… mas…
– Diz! Diz! Diz o que tens a dizer, diz! Não fomos nós que instituímos que nada ficaria por dizer? Que nada omitiríamos um ao outro? Que... Diz! Diz.
– Não digo nada, Carmen. Digo que tudo isto foi um erro. Um estúpido erro que ambos sabíamos que estávamos a cometer. Uma brincadeira de adolescentes que não podíamos ter, que não íamos aguentar.
– Eu aguento. Tanto aguento que estou aqui contigo. E sou eu que tenho coisas a perder. Sou eu que sou casada, Raul, sou eu que tenho marido e filhos e sou eu que estou a almoçar com um acompanhante. Contigo, Raul, contigo.
– Foste tu que quiseste. Foste tu que, sabendo o que eu faço, o que eu sou, te quiseste aproximar de mim. Foste tu que disseste que não ias trair o teu marido, que só me querias conhecer, que me querias conhecer como outra pessoa qualquer.
– E tu quiseste a realidade, a realidade de uma mulher real, de uma mulher diferente das mulheres que te pagam para as foderes…
– Todas as mulheres são reais, Carmen, e se me procuram é porque precisam de mim…
– De ti, do teu corpo, do teu caralho…
– Estás enganada. As mulheres que me pagam precisam que eu as deseje, precisam que eu as queira, precisam que eu, enquanto estamos juntos, me preocupe com elas, com os seus desejos, com os seus gostos e vontades. Precisam do meu sorriso, da minha atenção…
– E que as fodas…
– E que as foda, claro. Que as foda bem, que as foda como não as fodem. É o meu trabalho, Carmen, é o meu trabalho e tu sempre o soubeste.
– Mas nós…
– Não há nós, Carmen. Ou melhor, há nós aqui, nós a tomar café, nós a lanchar, a conversar, a trocar mensagens. Nós a rirmo-nos de nós, nós… mas não há mais nós do que isso. Não há esse nós, não pode haver.
– Não queres que haja.
– Não quero.
– Não queres mas se eu quiser, comp… Encomendo-te por uma noite, não é?
– Não. Agora não. Não ia ser bom para qualquer de nós. Era mais um erro sobre o erro que já cometemos.
– Não me fodias mesmo que eu te pagasse?! Sou assim tão repulsiva?
– Não, não tem nada que ver com isso.
– Não?! Como é que explicas que homem não queira uma mulher?! Como é que explicas que um homem não queira uma mulher que lhe paga para a comer?
– Porque…
– Não digas que é por gostares de mim ou por me respeitares ou… ou o caralho! Não me digas nada, foda-se! Não me digas nada!
– Tenho que dizer, Carmen…
– Eu não me chamo Carmen.
– O quê?!
– Eu não me chamo Carmen.
– Não?!
– Tal como tu não te chamas Raul.
– Não?!
– Chamas-te?
– Raul?
– Sim.
– Não.
– Chamas-te António.
– E tu?
– Eu não.
– Tu não, o quê?
– Não me chamo António.
– Não pensava que te chamasses António.
– Chamo-me Ana.
– Ana?! Ana?! Não te chamas mesmo Carmen?
– Não, chamo-me Ana, Ana Maria.
– Ana Maria?!
– Sim, Ana Maria.
– Ana Maria?!
– E tu, foda-se?! Mas que merda de nome é esse? Achas que Raul é mais macho, é?
– Ana Maria… Raul é o meu nome… é o meu…
– É o teu nome artístico.
– Pois, não gosto de António. Nunca gostei. Nem de Ana Maria, se queres saber.
– Não quero mas já tinha reparado… Uma careta bastava…
– Uma careta?
– Sim, bastava uma, não era preciso fazeres uma careta de cada vez que repetias Ana Maria.
– Eu… Eu não…
– Não interessa… Não interessa nada… Não interessa mesmo nada… Sabes, acho que afinal eu… Afinal eu era, eu sou!, uma mulher como as outras. Uma mulher como todas as outras.
– Eu não acho isso.
– Eu também queria a tua atenção, o teu sorriso. Eu também queria que tu me quisesses, que te lembrasses de mim, que te preocupasses comigo enquanto estás comigo, que tivesses atenção aos meus gostos, aos meus desejos… Sou igual.
– Não és.
– Não?!
– Não.
– Não quis, ou melhor, não quero. Não quero eu também o teu corpo, o teu caralho dentro de mim?... Estúpida! Sabes o que eu sou?
– Não és.
– Sou. Sou estúpida. Sou estúpida e tenho a mania que é o meu cérebro que manda…
Um empregado aproxima-se, todo vénias e mesuras, pede desculpas, pergunta se querem mais alguma coisa, repete as desculpas, agradece a resposta negativa e informa que vai tirar a conta. Afasta-se.
Ela segura na mala, que pousa nas pernas, hesita sem se mover e decide:
– Adeus, Raul. Obrigado.
Ele olha-a, sem reacção, vê-a levantar-se, rodear a mesa, beijá-lo no rosto e despedir-se:
– E obrigado pelo almoço, Raul. Adeus.
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