Ficamos um bocadinho sozinhos na companhia da escuridão. O silêncio é imóvel nos quartos; na alma agita-se e, aliado constante do escuro, atrai os pensamentos que moram debaixo das camas para cima dos lençóis. Lá estão eles, agora, a espreitar. Acendo as velas. Vou ler; fazer nada pode abrir os portões a tudo o que estava de cabeça tapada a dormir o sono agitado e superficial dos esquecidos. Quanto tempo duram estas velas-vassouras de fantasmas? Agora vejo-as no fim. As lágrimas de cera derretida começam a fugir. As lágrimas de sal começam a aproximar-se. Rolam a última lágrima e a primeira lágrima e já aqui transborda o rio negro. A cantilena! A cantilena enche a cabeça e afasta os fantasmas. "A menina das tranças, a menina das tranças, a menina das tranças tinha loiras esperanças, a menina das tranças, a menina das tranças, a menina das tranças tinha loiras esperanças"... Mas a cantilena traz do fundo da memória a música de um piano, a música de um passado alegre sem teclas quebradas. Fantasmas, fantasmas, fantasmas que quebraram as teclas. Retorna a luz pouco tempo depois de terem ardido as velas.Aqueles instantes são o seu momento de gozo, demora-se para se apresentar como pão aos famintos, irrompe plena quando se arrastam de mãos entendidas; a Senhora Misericórdia é cruel. Pode voltar à melancolia, a louca no sanatório.
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Uma por dia tira a azia