11 abril 2010

Silvia: conto da cegueira

Dá-me a mão. Vês-me noite, amor. Está no tracejado que te sublinha o olhar - quando me olhas, contornas-me o vulto a lápis de mundo. Depois, quando fica muito escuro - como ficou - sente-se o mundo parar. Foi a tristeza intermitente que entrou pelos ouvidos - ensurdece! -, colou os lábios - emudece! - e sublinhou o olhar pelo lado de dentro - cega!. É quando essa surdez de ti escorre que a minha voz adormece porque as palavras acordam estanques - emudeço. É quando essa mudez te habita que não te respondo; ouço uma voz parecida com a tua, uma voz que diz coisas, coisas que eu não entendo - mas eu bem sei que tens os lábios colados; é uma coreografia de movimentos desengonçados - os meus -, pesados do pasmo, os braços na cabeça, as mãos nos ouvidos, largaste a minha - ensurdeço. Mas não ceguei, meu amor; ainda não ceguei. Pois que chames o escuro, se achas que a cegueira te poupa que eu, meu amor, eu chamo a tua imagem, ela contorna-me os olhos e poupa-me da cegueira.

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