Deixa-te estar onde não te consiga alcançar a minha mão ou mesmo o olhar, ilusão, que te adora a prudente distância, como recomenda a prudência quando o fruto é proibido e o pecado é garantido pela mais ténue cobiça.
Deixa-te estar onde apenas o pensamento alcança e o tempo aniquila qualquer esperança que possa trair a lucidez, inatingível, para que não seja concebível qualquer desvio ao rumo traçado, qualquer gesto mais tresloucado que resultaria em catástrofe emocional.
Deixa-te estar onde afinal é o teu lugar e permite-me evitar a memória do momento em que um estranho cruzamento de caminhos, coincidência, desvendou a existência de uma vida sem lugar para mim.
Deixa-te estar assim, distante, que só o facto de estares ausente me protege de tentações, de me enredar em emoções demasiado intensas que não passam de pequenas peças de um puzzle onde não me deixas encaixar, de um teatro tão amador que não concede margem de manobra sequer para alimentar um sonho qualquer quando fecho os olhos no camarote de onde assisto, a prudente distância, como recomenda a prudência quando os dedos anseiam tocar tudo aquilo que me oferece o olhar ou a recordação que me acelera o coração, à tua passagem pela vida que só me inclui em pequenas parcelas e na maioria delas não passo de um figurante acidental.
Deixa-te estar como é normal na tua forma de encarar o presente, uma mulher independente que não hesita soltar o lastro depois de apagado o rasto deixado por quem teve, como eu, oportunidade de olhar para o céu mas depois o perdeu por detrás do nevoeiro que se instala a tempo inteiro em teu redor quando o futuro te soa melhor assim, à distância, no aconchego de uma solidão acompanhada ou de uma companhia mais adequada ao que te apeteça sentir.
Deixa-te estar, não precisas responder às perguntas repetidas que não passam de causas perdidas de um mero peão nesse tabuleiro onde és rainha poderosa, uma torre com parede rochosa quando entendes jogar sob regras que não pretendes, na realidade, definir, pois a tua vontade de decidir é soberana e só fazes o que te dá na gana e sem ceder a pressões.
E eu deixo-me ficar, sem ilusões, num canto secreto onde tento permanecer tão discreto que acabes por me deixar, à distância, a negar em vão a tua importância enquanto os meus olhos fechados servem de telas para os filmes passados, vidas paralelas, neste espaço interior onde projecto histórias de amor que não passam de ficções para entreter os corações de quem se deixe estar, como tu, a observar ao longe, de fora, o futuro que finge agora tudo aquilo que pareceu num passado que apenas o prometeu.
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