Está na natureza humana gostar de histórias. Tribos inteiras reuniam-se em torno de uma fogueira para ouvirem os seus anciãos nas narrativas de coisas acontecidas ou, tanto fazia, de ficções nascidas do acrescento de um ponto ao conto contado pelos pais dos seus avós.
Os melhores contadores de histórias garantiam um lugar de destaque nos tempos de lazer, eram protagonistas dos filmes que projectavam nas imaginações daqueles que entretinham, ora choravam, ora sorriam, com histórias de gente que podiam ser pássaros disfarçados ou deuses traquinas que desciam ao mundo real para matarem o tédio de uma eternidade nos céus.
As estrelas e a lua, fascinantes e misteriosas, cobriam o horizonte visual por detrás das imagens que os espectadores criavam na tela escura da noite, caçadores trapalhões que fugiam, eles as presas, da sua caça que os apanhava a jeito agachados nas suas precisões, feiticeiros poderosos que transformavam os inimigos em insectos rastejantes, mulheres bonitas que conduziam tribos inteiras a guerras sem quartel, vidas contadas ou apenas inventadas pelas mentes dos contadores das histórias que divertiam os outros e lhes transmitiam saberes, as suas morais, que os ensinavam a respeitar o que mais valia e a temer ameaças que nunca haviam enfrentado até então.
As histórias propagadas pela voz profunda de um ancião a cada um dos seus sucessores, os futuros transmissores do registo possível de vidas a acontecerem num mundo tantas vezes hostil, mas quase sempre generoso nas oferendas de coisas que alimentam as vidas.
Como as histórias, preciosas, que distraíam os homens das suas preocupações diárias com a sua sobrevivência e a dos seus, que lhes abriam as portas dos céus com as memórias de antepassados que dessa forma não eram esquecidos ou a lembrança de filhos perdidos sob os rigores de um inverno mais duro ou numa armadilha montada por uma tribo rival.
Os mais jovens, sedentos de diversão, ouviam as histórias com mais atenção porque delas sorviam aos poucos tudo aquilo que lhes poderia valer ao longo do caminho pela existência forrada a pontos de interrogação tão numerosos como as estrelas no céu que não sabiam explicar mas existiam porque os seus olhos as viam como aos rostos enrugados e aos sorrisos desdentados dos velhos que imitavam os búfalos que atacavam os caçadores desatentos ou abriam os braços como asas dos falcões que diziam transportarem as almas de heróis que sobrevoavam os campos de batalhas vencidas ou de derrotas sofridas ou apenas para poderem rever as suas amadas depois de a morte os levar para o outro mundo que não lhes permitia falar para contarem as suas histórias, enriquecidas ao sabor da passagem do tempo com as impressões mais marcantes ou as informações mais importantes que os mais sábios ou os mais espertos precisavam divulgar.
Sim, está na natureza humana esta sede de contar e de conhecer as histórias que continuam a exercitar a imaginação ou a perpetuar uma tradição mais teimosa, capaz de resistir à influência perniciosa do progresso sobre os hábitos antigos e os detalhes que não se querem esquecidos das origens que se queiram respeitar ou apenas porque não se podem perder rastos da passagem do tempo, sabedoria, que desvendam os caminhos do futuro nas entrelinhas das histórias de ficção que já não se desenham no céu estrelado mas ganham vida nas páginas irrequietas de um velho livro agitado pelo vento num jardim descrito numa história de amor ou mesmo por detrás do reflexo romântico da lua destacada pelo olhar por entre o brilho das palavras escritas num moderno monitor.
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