07 dezembro 2006

Água ardente - por Bartolomeu

"A mamã do Zezinho executava trabalhos de costureira para ajudar a fazer face às despesas domésticas.
Certo dia, recebeu uma cliente endinheirada, que pretendia umas calças à medida para o seu querido filhinho, o menino Joaquinzinho. O filhinho da senhora rica, coitadinho, veio ao mundo sem orelhas. A D. Marcolina, mamã do menino Zezinho, conhecendo o jeito desbocado e irreverente do seu filho, fez-lhe um aviso peremptório:
- Zezinho, hoje vem cá a casa uma cliente muito importante e traz o filho, que não tem orelhinhas. Portanto faz-me o favor, nada de gracinhas. Estás proibido de abrir a boca. Jura!...

- Juro!
À hora marcada, batem à porta de Marcolina. É a D. Hermengárdia, acompanhada do seu querido filho Joaquinzinho.

- Faz o favor de entrar, Sô D. Hermengárdia, por favor esteja À sua vontade. Posso oferecer-lhe alguma coisa para beber?... Um tinto lá da terra, uma água-pé do meu sogro?...
- Tem bagaço lá da terra, D. Marcolina?
- Tenho sim senhora, uma branquinha de estalo, feita no alambique do meu primo Esturjárdio.
- Então venha de lá uma copaneira pra desmoer a chispalhada do almoço.
- Ó Zezinho, chega lá à cozinha e traz a garrafa da aguardente que está no armário, por baixo.
Segundos depois chega o Zezinho com uma garrafa de litro e meio e um copo de meio-galão, que coloca em frente à D. Hermengárdia, ficando de mãos atrás das costas, bamboleando a peida da esquerda para a direita, a olhar fixamente para o Joaquinzinho.
Imediatamente a D. Hermengárdia fez questão de perguntar ao Zezinho
o que motivava tanta curiosidade, pelo que ele prontamente desabafou, apontando para o Joaquinzinho:
- Que Deus lhe conserve sempre a boa vistinha...
Surpreendida, D. Hermengárdia despeja de um trago o 6º copo meio-galão cheio da fortíssima branquinha e, depois de um monumental estalo com a língua, pergunta ao Zezinho:
- Porque é que dizes isso, meu menino?
- É que se um dia lhe falta a vistinha, não sei onde é que o caralho do puto vai depindurar os óquilos.
- Ó c'um filha da puta... sai já daqui Zezinho, vai p'rá cozinha fazer os trabalhos da escola.
D. Hermengárdia, afogueada com o desaforo, despeja o resto da garrafa da branquinha e, arrastando o Joaquinzinho, sai porta fora sem mais conversas.
A mãe do Zezinho vai à cozinha e encontra o puto a rir que nem um perdido.
- Estás-te a rir, meu cabrão? Tens consciência do que acabaste de fazer? Esta gaja ia dar-me bom dinheiro a ganhar e agora saiu e não me deu trabalho nenhum.
Zezinho continuava a rir-se sem parar.
- Ouve lá, meu cabrão, estás-te a rir de quê, afinal?
- Hehehehe... é que aquela garrafa que eu levei não era a de aguardente. Era a do ácido sulfúrico, para desentupir os canos.
-Ai cum caralho, estou fodida, ó meu cabrão, meu irresponsável do caralho, estamos fodidos, a mulher vai morrer e nós vamos todos de cana.
Foi um desatino
em casa do Zezinho.
No dia seguinte batem à porta. D. Marcolina treme de medo, calcula que é a polícia e muito a medo lá vai abrir a porta.
Surpresa das surpresas. É a D. Hermengárdia, acompanhada do seu menino de estimação e traz no rosto estampado um sorriso de satisfação.
Marcolina, sem saber o que fazer ou dizer, balbucia:
- D. Hermengárdia, seja bem vinda. Como está a senhora?
- Muito bem D. Marcolina, muito bem. Posso entrar?
- Faça favor, mas o que a traz a este humilde lar?
- Olhe, minha querida amiga, sem querer abusar da sua generosidade, venho pedir-lhe para me servir mais um copo daquela sua maravilhosa aguardente.
- Mas... mas... a senhora deu-se bem com aquilo? Quero dizer, não lhe assentou mal?
- Qual quê, D. Marcolina! Aquilo é uma pomada de 1ª categoria. Só como ainda não estou habituada, sempre que dou um peido, queimo as cuecas...

Bartolomeu"

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