Abracei-o. Então percebi. Era uma árvore. Tantos ramos, tantos ramos cobertos de sentenças azuis, vestidos de veludo; um abraço denso, enraizado no meu corpo - tantos ramos - a beleza terna, perfeita; o amor tão imenso que reflecte a sua impossibilidade como uma condenação de rara beleza, escreve-se como um reflexo da lua em prata numa noite que era negra. E quando a lua sobe mais alto, as sombras descem. Era uma árvore. E eu era uma cor que empalidecia, uma criatura translúcida, amarrada ao tronco fundo por ramos. Sinto a seiva a sair de nós e choro. Ninguém me disse que aqui era assim. Vejo um autocarro a passar no prisma do mundo que é o teu. E então percebo. Não estamos juntos - eu agarro-me a ti e tu agarras-me mas estamos em mundos separados. Sentamo-nos e já não rimos - como antes - sentamo-nos onde os mundos se tocam; a bebida que me serves deita fumo e o fumo soletra que, um dia, um de nós vai conseguir andar pelos dois mundos. És tu - soletrou o chá - escreve as tuas palavras na barreira dos limites, elas são mágicas, as tuas palavras, ele é o homem mágico que te ensinou as palavras mágicas. Escreve-as muitas vezes, tantas vezes as hás-de escrever que, um dia, nem vão ser palavras, vão ser apenas magia e as portas do mundo abrem-se. O autocarro passou no teu mundo, no meu passou um coelho cor de rosa sem orelhas, era surdo. Estavas nu, meu encanto, meu desejo, meu amor, tinhas frio por mim, tapei-te no lençol liquido do meu olhar - sempre te aqueceu. Dá-me o sumo do sono do transe e a tua mão morena. Toma a minha mão branca. Somos um desenho. Agora, o autocarro também é do meu mundo, dança na água, os passageiros riem porque, pela primeira vez na vida, o seu dia não é um absurdo. A magia das palavras ganha força, amor. Vê como ganha força. Um dia, amor, um dia, o meu mundo vai enfeitiçar o teu - só com palavras. Sente-me crescer, é para ti.
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Uma por dia tira a azia