02 maio 2010

A prostituta azul (IV)

O deserto escorre no peito do homem. Ouviu a areia gemer alguns grãos molhados, eram lágrimas secas, esfolavam-lhe os cotovelos. Abriu-lhe a camisa, dedilhou os botões ensopados de madeira crua, tapou os ouvidos para ouvir melhor e soprou. A areia caía-lhe das pestanas; os olhos abriram-se, arranhados, contra o ventre nu e tentaram adivinhá-la livre da nudez. Queria beijar uma mulher vestida. Aquela, sim, que sabia soprar. Os papelinhos coloridos de feio compram actos mas não compram vontades nem sopros. E ela soprou. O resto? Já tinha visto tudo, já tinha feito tudo o que lhe vendiam por papelinhos coloridos de feio. Disse-lhe que podia ir. Que era tudo, nada mais queria. Ela entendeu. Alguns gostavam de bailarinas, outros de pés e de mãos: o homem queria comprar uma ilusão; as ilusões vendem-se como são compradas, tal e qual como são. Vestiu-se. E disse ao homem que ficava porque queria ficar. Ficar no beijo que despe...

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Uma por dia tira a azia