13 fevereiro 2011

Carta ao Viajante (VI)

Alguma coisa encontrou e até já descobriu o que pode ser. A incolumidade é para os outros, de tão saciados que estão já nem respiram mais que ar; nós, os eternos incompletos, respiramos até a fome, nesta coisa tão evidente, sempre à espreita (parece-me que lhe chamamos vazio, parece-me que o casamos com angústia), nem que tenha que sufocar, nem que tenha de correr; voltaremos com o que contar.
A tapeçaria é suave, maravilhosa e ninguém vê ou precisa de se interrogar sobre o estado da parede que cobre ou sequer se parede existe; assim é a ilusão, tão plena na sua parede; de viagem em viagem destapamos-lhe mais um milímetro, por vezes dois, contemplamos os buracos, o sujo, a humidade, cada imperfeição perscrutada com a surpresa de um coleccionador de borboletas ou de um vendedor de detalhes; antes a imperfeição que a cegueira, antes o conhecimento que a felicidade nas superfícies, a parede sou eu, a parede és tu. É esta minha capacidade de sorrir, sorrir, sorrir, que me avisa do tanto que ainda não sei, qual tola ignorante da crueldade da vida, e é tanto o que não sei que nunca o saberei inteiro; vai-me sobrar sempre sorriso que me lembre que há mais caminho a fazer. Só há derrota na paragem; em cada ferida hei-de confirmar quanta pele me sobra e lançar-me à próxima, é a viagem dos loucos, furiosos, fora de si, dentro de si, chegarei a lado nenhum mas, quando me deitar, levarei uma vida cheia atrás; se choro quando falho, chorei mais quando não tentei, voltaremos com o que contar.

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