Os amantes abraçam-se; são mais braços que pele, mais fundos que corpo. Os amantes abraçam-se; são o chão enquanto um comboio passa debaixo da terra e entregam-se, deitados, aos carris; trespassados acabam de morrer até à perda, até voltarem lentamente - quase sem querer - à vida. É um erotismo quase triste, como um ventre nu já sulcado pela ternura única do último passeio dos dedos.
Os amantes abraçam-se; são pássaros lentos feitos de cada pena que tomam do outro, curam-se da sua dor. Os amantes abraçam-se; são corpos sem som ou silêncio porque a música tem-lhes corpo e agora ouve-se com o olhar que a vai recolhendo na pele.
Falo dos abraços dos amantes porque é incomparavelmente mais difícil falar deles, não tenho palavras que respondam ao peito; a inexistência de cada um por si no corpo do afecto puro, demorado, transpôs-me as palavras e fechou o portão atrás de si, cada letra estupefacta e sempre aquém da verdade do mais ténue abraço. Se algum dia as tive, às palavras, devo-as ter largado, rendido, perdido todas e nem sequer as quero de volta.
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Uma por dia tira a azia