Sob o teu túmulo nada existirá. Se morreste é porque gastaste até ao fim cada milímetro teu.
Porque és daqueles pássaros que desde tenra idade entregam o corpo à alma e a alma à vida e a vida consagram às linhas. Porque te viveste todo, inteiro, incompleto, até ao último grão. Porque lançaste o teu fogo às chamas, as tuas chamas ao fogo, as chamas e o fogo à vida e às páginas amarrotadas, torcidas se te apeteceu torcer; porque voaste para que o olhar pudesse ver do céu e desceste ao centro da Terra para que pudesse ver as quedas e o Mundo de quem se enterra cedo; porque te consumiste sem dó nem piedade da dor nos teus ossos; sob o teu túmulo nada existirá, tudo existiu acima dos teus ossos.
Sob o teu túmulo existirá o vazio, a imensidão do nada que te permitiste sobrar e tudo aquilo que nunca foste. Quando o Outono te trespassar os dias e o peito e te abrir a pele, poderás receber o Inverno de braços abertos na firmeza de quem nunca terminará frio - o frio inveja a noite que escurece o dia, não deseja a Luz - ele há-de-te encontrar fora de ti, muito além de ti, só terminarás nunca porque nunca será quando te terminares; nada de ti será ali, tudo de ti já se foi.
Os que te chorarem como um poema interrompido vão encontrar conforto nos braços sempre quentes das chamas que foste oferecendo; as chamas alimentadas pelo fogo serão eternas; os que não te conheceram chorarão apenas a sua ilusão, vão encostar-se à pedra fria que talvez lhes pareça irmã da vida que conhecem, talvez se apercebam do próprio vazio e o chorem.
Só a palavra pode tudo, não se prende nos impossíveis, não se detém nos limites da existência, não se acorrenta à realidade; a palavra já feriu de morte, já matou, já criou novas vidas, juntou amantes, quebrou paredes ou atravessou-as, saiu de si e voltou a entrar, voou e caminhou sobre as águas, destronou Reis e Rainhas, foi Cupido, Hermes, Vénus, alma, corpo, sede, medo, esperança, força de gigante e utopia; a palavra é um corpo Divino na Terra, único, tem pele de letras e não tem pele, corpo, sequer limites, pode ter e não ter ao mesmo tempo; a palavra é tudo e é nada e o seu poder, a sua magia, a sua força podem ser soberanos. É por isso que és um Dragão, porque escolheste a mais poderosa e mais arriscada de todas as armas, porque a palavra forjada a fogo é espada universal e eterna, é a lâmpada de Aladino, é a Magia de todos os Castelos e Reinos, exige-te a vida única, enche-te de vidas e arranca-te de ti.
Sob o teu túmulo nada existirá; a pedra não te encarcerará; já em vida te desencarceraste e desenterraste de ti.
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