13 fevereiro 2011

«Cenas do quotidiano» - por Rui Felício


Baixote, atarracado, o nariz vermelho, avinhado, ocupa-lhe dois terços do rosto e os minúsculos olhos ficam escondidos por trás das sobrancelhas grisalhas, fartas e despenteadas. Perna curta, o colarinho aberto mal envolve o pescoço gordo que lhe encima o tronco desproporcionado. A barriga proeminente escorrega-lhe por cima do coçado cinto de cabedal apertado no último furo.
Tem uma antiquada loja de louças na Av. de Roma que herdou do seu pai. Deve vender uma ou duas peças por dia, cuja receita mal lhe dá para pagar a renda. Mas não faz mal, diz ele. Com paciência, chegará o dia em que receberá um balúrdio pelo trespasse a algum Banco. Que o local é bom e bem posicionado, a dois passos da estação Roma do Metropolitano...
À falta de clientela, o Filipe passa os dias no passeio, encostado à já polida ombreira de cantaria, mirando o constante vai vem dos passantes, cumprimentando uns, cortando na casaca de outros.
Nisto, uma senhora alta, na casa dos quarenta e poucos, elegante, ar aristocrático, meneando sensualmente as ancas num andar firme e resoluto, passa em frente à loja, desprendendo uma fragrância provocante. O rosto irrepreensivelmente maquilhado, os lábios carnudos, escarlates, o vestido fino desenhando os contornos das coxas, um decote generoso, completavam a imagem de uma mulher de sonho.
Comia-te toda! – rosnou o Filipe...
A esbelta senhora deu mais uns passos, estacou, virou-se, mediu com desdém o atarracado Filipe e, antes de prosseguir o seu caminho, disse-lhe:
- Com esse físico?! Coitado! Tinhas um enfarte só nas provas...
O Filipe virou-se para mim e disse-me: - Já viste esta puta?
Não sei se é ou não é. Sei que chegou para ti, foi o que me ocorreu dizer-lhe.
Sempre detestei piropos ordinários...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

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