04 março 2013

«coisas que fascinam (154)» - bagaço amarelo

a mulher de avental vermelho

Este não é um mundo de Amor.
Hoje sentei-me, logo de manhã, numa mesa do café onde habitualmente ingiro a minha única dose diária de cafeína. A empregada, sempre com aquele avental vermelho que lhe desenha as formas, veio trazer-ma a sorrir. É simpática e bonita, e foi com ela que me apercebi que já não vejo ninguém a sorrir há algum tempo. Foi um estalo na forma como eu próprio me tenho olhado ao espelho todas as manhãs quando lavo a cara. Sem sorrir. Sei que são sempre mulheres a dar-me estaladas destas.
À minha frente, à distância de uma mesa vazia, uma outra mulher mais velha aninhara a sua cabeça na palma da mão. A sua quietude assemelhava-se em tudo a uma estátua que olhava para o horizonte, e eu acompanhei instintivamente o percurso desse olhar. Ia dar a uma máquina de tabaco com um autocolante a avisar que fumar mata prematuramente. A vida também, pensei.
O avental vermelho, com dois seios comprimidos e um doce cheiro a perfume de mulher bonita, debruçou-se sobre a minha mesa para a limpar. Vi uma mão fina passar um pano húmido sobre a superfície negra e depois a chávena de café pousar delicadamente como se fosse uma nave extraterrestre. Por um dia que seja, às vezes apetece-me Amar uma mulher eternamente.

- Oh dona Laura! Que olhar tão triste é esse? Vá para casa ter com o seu homem, que está à sua espera... - disse enquanto se virava para a mulher-estátua, ficando de costas para mim.
- O meu marido?! - respondeu - Este mundo não é um mundo de Amor...

Um rabo pode ser uma escultura perfeita. E eu sorri. Tem piada, há muitos dias que não me vejo a sorrir ao espelho, mas hoje sorri-me a um rabo, de mãos nas ancas como quem manda no mundo. Peguei na chávena de café e abracei-a com uma das mãos, para as aquecer.

- Pois não! - Tornou a dizer o avental - Não é um mundo de Amor. Por isso é que nos temos que apaixonar, para fazer o nosso próprio mundo.

E eu, por dois minutos, apaixonei-me para sempre.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»