22 maio 2005

Dick Hard e a aventura editorial - uma continuação possível - por Charlie

Acabou a sessão e, após ter passado o lenço pelos beiços, ficou com o sabor do papel feito a castigar-lhe a língua. Para se subir na vida seria preciso passar por tanta prova? Tudo só para demonstrar que afinal tinha todos os dons inatos dum grande autor?
O que mais lhe estaria reservado?...
Desde o dia em que escrevera as primeiras linhas do que ele pensava ir ser um best seller imediato, vira-se na contigência de alterar, acrescentar e incluir etapas destiladas da suas experiências pessoais adquiridas nos corredores e bastidores dos que mandam nas oportunidades.
E agora alí estava ele. Pensativo, olhando para o palco onde ele tinha acabado de actuar enquanto cuspia um pêlo atravessadiço que teimava em não sair algures de entre a língua e o céu da boca. "Meu Deus", pensou enquanto preparava mentalmente mais uma alteração no seu romance. "O que me faltará fazer para passar mais esta etapa? Quando verei finalmente a minha obra publicada?"
Entretanto, a Dotôra olhava para ele, adivinhando-lhe os pensamentos.
- Não penses que já te safaste e que venceste de vez as dificuldades. Realmente devo dizer-te que passaste a prova da língua. Mas um escritor, além de ter o domínio que demonstraste, deverá ter uma grande capacidade de sofrimento. Tenho de saber se és homem para aguentar uma reviravolta do destino. Algo que te pode tocar no fundo sem que com isso te sintas vergado e vencido. Afinal, isto é um negócio em que nos arriscamos a dar nome a um fracasso. Quantos não há que não passam do primeiro livro? Apostando em ti, temos de ter garantias que temos homem para continuar. Em resumo: quero saber se tens fibra! Se és um vencedor!
E, dizendo isto, tocou num botão da secretária e disse:
- Ó Joaquina. Manda-me aqui o Raúl!
Ficou olhando para ela com ar meio inquieto. O Raúl?! O que estaria ela a querer dizer? Quem era o Raúl?
Os receios dele vieram a confirmar-se nesse mesmo instante. Ao som do fecho da porta a abrir ele voltou a cabeça. Um negro de um metro e noventa, com o embrulho nas cuecas a fazer adivinhar o recheio, entrou olhando gulosamente para o candidato.
- É este?- perguntou à Dotôra.
Um breve aceno de cabeça fez-lhe imediatamente compreender que teria de reescrever em grande parte o livro que ele pretendia que viesse a ser o best seller do ano...

Charlie
(com a devida vénia - mas de frente - ao Luís Graça)

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