05 maio 2010

Amor de uma vida que foi

O amor de uma vida que foi numa causa perdida que se dilui aos poucos na amálgama de emoções congeladas pelo frio interior, ilusões, talvez pela constatação de que é mais forte a recordação do que a circunstância que a transformou num passado que se deseja repetido, inconsciente, devaneio de uma mente dividida entre o lado confortável da vida e o desassossego inerente a uma paixão descontrolada.
O melhor amante numa vida passada, desinteressante por comparação porque ofereceu o coração em vez de usar a cabeça, sem o gosto da aventura e da incerteza, uma relação jamais perdura desprovida da defesa natural para uma presença eventual que nunca enfrenta o perigo de se assumir como um dado adquirido a sua manutenção.
O primado da razão como um torno implacável da utopia impraticável que se alimenta de uma força que não provém da cabeça mas de outro lado qualquer, a energia que faz valer o tempo que a vida nos dá. Teimosia ou insistência, obstinação ou persistência que fazem avançar o quebra-gelos na superfície de um mar que às tantas solidificou.
A pessoa que tanto (se) desejou, despromovida à condição de quase uma obrigação a cumprir, um ritual que deve servir, reforçada, a solidez desmascarada pela lucidez traiçoeira que constitui uma ratoeira para todas as coisas que se querem ignorar.
A coragem para lutar que enobrece quem consiga perceber que a vida acaba logo ali e que nada vale por si, sem a resistência emprestada por quem tem consciência da hora sortuda que constitui o acaso que nos cruza com quem faz acontecer. A atenção que faz por nos merecer quem consegue despertar sob o gelo de qualquer mar o sono de um vulcão que explode numa erupção de vontades e de ansiedades e de saudades a cada instante, que sacode debaixo dos pés o chão e leva o coração ao rubro como um motor acelerado, prego a fundo, à solta e sem freio no horizonte interminável de uma planície banhada pelo sol.
O amor de uma vida que foi, magistral, de olho no tempo onde se perfila o renascimento tão plausível como a alternativa provável à luz da experiência que tanto esclarece como baralha a existência, à vista desarmada, com o inevitável desacerto na previsão especulada.

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