06 maio 2010

A Palavra

“A palavra chegava-lhe aos lábios, enchia-lhe o olhar e desabava-lhe na expressão do rosto e do corpo mas nunca era dita. Nunca.
A palavra estava ali e era ele e ele era a palavra mas não a dizia.
Os seus olhos, o seu rosto e o seu corpo eram o reflexo da palavra. Um espelho era o que ele era naqueles momentos. Apenas um espelho que reflectia uma única palavra. Uma palavra muda, sem som, sem corpo, sem existência.
As palavras que não se dizem não existem.
E os espelhos não são o que reflectem.
Depois, depois da palavra não dita mas representada, vinham as explicações, as justificações, as tergiversações, as promessas e as juras. Tudo, tudo como se se abrissem as comportas de uma barragem, como se, por milagre, o mudo ganhasse voz. Ele seria outro e a palavra que não fora dita jamais seria necessária. Jamais!
Até que a palavra lhe chegava de novo aos lábios, lhe enchia mais uma vez o olhar e se repetia para lhe desabar a expressão do rosto e do corpo sem, como sempre, ser dita. Nunca foi.
E era tão fácil, doutor, tão fácil.” Concluiu a arguida, correndo o olhar pelo colectivo de juízes e, fixando-se no juiz-presidente, desabafou: “O que é que lhe custava, nem que fosse por uma vez, pedir desculpa?”
“Agora já não pode.” Deixou escapar o magistrado.
“Agora já não.” Concordou a arguida.

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