08 fevereiro 2013

A viagem

F. termina a frase com ar compungido, como se pedisse desculpa pela opinião que transmite. L. ouve-o com atenção até ao fim e fica a olhar para ele. Calados, F. e L. olham um para o outro. Um olhar significativo. Demasiado significativo. Desviam o olhar, os dois com a sensação de terem vivido um momento a raiar a mais completa mariquice. F. pega no copo de imperial e bebe. L. diz: “Tens mesmo a certeza?” F. acena que sim mas não olha para ele. Na verdade, olharam-se como irmãos, irmãos que não são mas cuja ligação é mais forte que a de muitos, senão todos, os irmãos. Eles não pensam nisso, só se sentem desconfortáveis. “Foda-se!”, exclama baixinho L., depois suspira e encolhe os ombros. “Não há nada que possas fazer”, assegura-lhe F., pousando o copo de imperial vazio. Continuam a sentir-se desconfortáveis. L. porque vai para o estrangeiro e o seu melhor amigo acabou de lhe dizer que a mulher o pode enganar. F. porque o disse. Os dois porque ainda sentem que se olharam significativamente nos olhos como dois rabicholas. Então, F. anima-se e diz: “Ou melhor, há”. L. olha-o expectante. F. continua: “Há e tu fazes. Se a fizeres feliz não há motivos para ter medo. Para duvidar. Estares aqui ou estares a milhares de quilómetros de distância é igual.” L. ouve com atenção, pronto a ficar descansado. F. continua: “As mulheres não precisam que um homem vá para o estrangeiro para o encornar, pá. Tens dúvidas?” L. concorda: “Nenhumas.” F. entusiasma-se: “Hoje em dia com os telemóveis e o facebook, temos lá hipótese. As coisas são o que são. Se ela te quiser decorar a testa não precisa que vás seja para onde for. Fá-lo e pronto.” F. ouve-se e interrompe-se, perdeu-se na verdade, na desastrosa verdade, e não é isso que quer dizer. L. ainda espera por uma conclusão que o conforte. “No entanto”, F. parou e fez inversão de marcha, recomeça lentamente, ao mesmo tempo que pensa na sua legitimidade para falar em relações; ele, ele um solteiro inveterado que foge de qualquer relação séria – “séria ou não séria”. F. lembra-se da situação mais parecida que teve com uma relação, são fáceis de identificar, são as três ou quatro mulheres com quem esteve e não lhes pagou para isso, e só com uma repetiu a dose por mais do que três vezes. É nela que pensa e, já agora, no marido dela quando andava à sua procura para lhe enfiar um balázio no meio da testa. F. sorri para dentro, safou-se. L. continua à espera: “No entanto?” “Ah! Pois… No entanto, se a fizeres feliz, se a ouvires, se a acompanhares…” “Eu vou estar em Itália, pá!”, reclama L. “Eu sei” F. exaspera. “Não podes entender tudo literalmente, bolas! Acompanhar aqui é interessares-te, é manteres o contacto diário, é surpreendê-la, é estares lá mas ela sentir que continuas com ela. Se fizeres isso…” L. abre um sorriso de orelha a orelha, faz isso normalmente, e anuncia: “Estou safo!” F. não gosta de ser interrompido, nem de felicidade em excesso: “Se fizeres isso” recomeça, “podes estar descansado… se ela te quiser enganar vai esperar que voltes.” O enorme sorriso de L. fecha-se tão depressa que, por um instante, F. teme que as orelhas do amigo desapareçam no vazio deixado pelo sorriso. “Desculpa?! Que lógica é essa?”, pergunta L., depois de pensar na frase sem alcançar qualquer resultado. “Que lógica de merda, é essa?”, insiste. F. torna a sorrir para dentro, L. está no ponto e daí a bocado vão às putas. O resto é conversa. “É uma questão de lealdade. As mulheres são assim.”

Garfanho
Blog Garfiar