06 fevereiro 2013

«pensamentos catatónicos (283)» - bagaço amarelo

pelos cabelos

As pessoas costumam dizer que estão pelos cabelos quando já não aguentam mais. Os portugueses, ou a maior parte deles, estão pelos cabelos com tudo. Já não aguentam mais o desemprego, a falta de dinheiro e a incapacidade da selecção de futebol em ganhar jogos. O país está pelos cabelos.
Ontem ouvi a expressão "pelos cabelos" entre um casal amigo de namorados. Ela quer ter filhos e ele está sempre a adiar. É o salário que é baixo, são os infantários que são caros, é o desemprego que pode estar próximo. Ela está pelos cabelos do medo dele, ele está pelos cabelos da irresponsabilidade dela. É assim que eles põem a coisa. Nada de especial, suponho que neste momento há montes de casais mais ou menos na mesma situação.
De qualquer maneira, quando os ouvi utilizar a expressão "pelos cabelos" fiquei triste. Não só por eles, mas por todos nós. É que são dos meus amigos mais antigos, e acompanhei à distância todo o romance que os fez juntarem os trapos há uns anos atrás. Ela só me falava nele, ele só me falava nela. Um dia apareceram juntos, de mãos dadas e a sorrir. Tinham deixado de falar um com o outro através de mim.
Ficar pelos cabelos é ficar tão cheio como um ovo. Os nossos cabelos são, neste degradante processo metafórico, a nossa válvula de escape. Quando estamos pelos cabelos, quer dizer que essa válvula está no esforço máximo e que se adivinha o seu estoiro a qualquer momento.
É essa a diferença trágica entre Amar e não Amar. O Amor vai-nos preenchendo a vida de forma suave e prolongada, mas com a sua falta ficamos imediatamente pelos cabelos. O não Amor é mais rápido a preencher-nos que o Amor. É por isso que ficamos pelos cabelos.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»