08 dezembro 2009

Mario Vargas Llosa escreve sobre o desaparecimento do erotismo no «El Pais»

Concordo quase completamente... e terei tudo isto em conta se um dia abrir ao público a minha colecção.


(crica para acederes ao artigo original e completo)

Alguns excertos em tradução livre:
"Há muitas maneiras de definir o erotismo, mas talvez a melhor seja chamar-lhe a desanimalização do amor físico, a conversão, ao longo do tempo, graças ao progresso da liberdade e da influência da cultura e das artes na vida privada, da mera satisfação de um impulso instintivo numa tarefa criativa e compartilhada que prolonga e sublima o prazer físico, rodeando-o de rituais e refinamentos que o convertem numa obra de arte.
(...) o erotismo representa um momento elevado da civilização e é um dos seus ingredientes determinantes.
(...) O erotismo, no entanto, não só tem essa função positiva e enobrecedora de embelezar o prazer físico e abrir um amplo leque de sugestões e possibilidades que permitam aos seres humanos satisfazer os seus desejos particulares e fantasias. É também uma tarefa que traz à tona aqueles fantasmas escondidos na irracionalidade, destrutivos e mortais por natureza. Freud chamou-lhes a vocação de Thanatos, que disputa com os instintos vitais e criativos - Eros - a condição humana. Abandonados a si mesmos, sem qualquer travão, aqueles monstros do inconsciente que se assomam e reivindicam o seu direito à presença na vida sexual, se não forem contidos, de algum modo poderiam levar ao desaparecimento da espécie. Por isso o erotismo não só encontra na proibição um estímulo voluptuoso; quando os limites são violados, também se transforma em sofrimento e morte.
(...) O erotismo não é tanto um feito em si, uma entidade isolada e diferenciada de outras, mas sim um olhar, uma escolha subjectiva, uma paixão ou uma mania que se projectam sobre tudo o que existe, erotizando às vezes coisas que pareceriam ser-lhe totalmente alheias e até adversas, como a religião.
(...) O desaparecimento de travões e censuras, a permissividade total no campo amoroso, ao invés de enriquecerem o amor físico e elevá-lo a níveis superiores de elegância, sofisticação e criatividade, banalizam-no, vulgarizam-no e, de certa forma, levam-no de volta aos tempos remotos dos primeiros antepassados, quando consistia apenas na satisfação de um instinto animal.
(...) Esta banalização e degradação do erotismo nos nossos dias é, por paradoxal que pareça, consequência de uma das grandes conquistas da liberdade vivenciada pelo mundo ocidental: a permissividade sexual, a tolerância para práticas e fantasias que antes mereceram a rejeição pela moral vigente e eram objecto de condenação social e punição legal. Ao desaparecer a proibição, também desapareceu a transgressão, aquela aura temerária, a sensação de violar um tabu, de pecar, que condimentou a prática do erotismo no passado e que tanto atiçou a criação literária e artística.
(...) o erotismo já não existe, (...) passou a ser caricatura e reprodução grotesca do que foi.
É bom ou mau que isto tenha ocorrido? Em termos sociais é bom, sem dúvida. A vigência do preconceitos, proibições e censuras trouxe consigo violações, abusos, discriminação e sofrimento para muitas pessoas (neste caso, especialmente para as mulheres e para as minorias sexuais). Mas, do ponto de vista das belas artes e da literatura, fez com que o prazer físico se tornasse um tema anódino e convencional (...). Fazer amor já não é uma arte. É um desporto sem risco, como correr num tapete no ginásio ou pedalar numa bicicleta fixa."

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