12 setembro 2010

Cais

Três viagens em simultâneo. A viagem pelas estradas deste País, o livro no meu colo, os carris meus das ideias. Talvez ainda uma quarta viagem pelas pessoas que vou vendo e tentando ler. Devagarinho, o último beijo dos amantes no cais já deixa as marcas da separação nos lábios; o embarque engole-os. Uma criança grande, do alto dos seus trinta anos, abraça os pais; a viagem diz-lhe que é grande e que é pequena. Os pensadores no meu colo, a capa rosa; uma estudante ao meu lado sobrevoa linhas de apontamentos e aterra o olhar no meu colo só o tempo suficiente para ler o título que embalo. Discutem estações de comboio e apeadeiros da vida. O sumo está fresco. Não sei que viagem me levou mais longe mas sei que uma outra me chamou para longe de mim: a bordo do sono naveguei o resto do caminho. Deve ser por isso que ninguém volta da morte, quem nos vem buscar é o sono e ele é francamente irresistível. Acordo. Um táxi é um corpo que tem um motorista por alma. Tantos ali viajam, uns mais tempo que outros, uns mais vezes que outros; só ele habita aquele hotel vivo. Fala-me da fauna da noite, que fiz bem em não entrar naquele café. Conheço bem a fauna mas não digo, a lucidez embaraça-me a voz e respondo com o sorriso frágil que sei que espera, é fácil porque eu até tenho medo de tudo. Compro muitas coisas em pacotes na estação de serviço. Coisas, só coisas que trago num saco. No saco trago mais uma viagem, são estranhas as pessoas à noite, as pessoas das estações; no saco trago a dúvida, eu sei que se movem e falam mas pergunto-me se são fauna ou flora. Casa. Cama. Cais. Sono, o irresistível senhor dos sonhos e da serenidade. Vou. Uns quebram para não partir; outros partem para não quebrar.

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