09 maio 2007

Porque não te foste?


Porque não te foste como prometeste?
Porque é que ficaste em todos os rostos, em todos os corpos, em todas as sombras?
Porque é que me obrigas a esperar-te os passos e a lembrar-te em passos que nunca são teus?
Porque é que me forças a olhar para portas se ficaste numa, a que se fechou?
Porque é que ficaste colado às paredes do quarto, espalhado no chão e tão dentro de mim?
Tão dentro que… Se fecho os olhos…
É já teu corpo que cobre o meu corpo
E sinto o teu cheiro e o meu arrepio.
E o meu peito ergue-se indo ao teu encontro
E no peito sinto, quente, a tua mão.
E se mordo os lábios é porque me tomaste
Porque me abriste as pernas e eu abri o corpo
E em mim entraste como se já não estivesses.
E se mexo as ancas e se balanceio o corpo.
Não sei se é uma dança, não sei se é prazer, nem sei se é desejo,
Só sei que ficaste entre os meus poros, dentro dos meus olhos e tão dentro de mim.
E se o meu peito arqueja e se gemo aflita,
Não sei se é desejar-te, nem sei se é amar-te
Porque te amo em mim.
Porque não te foste como me disseste?
Porque é que ficaste na cama deitado comigo
Vestindo o meu corpo como um pijama que se abre e dispo para te ter a ti?
Porque não te foste?
Porque permaneces?
Porque estás tão dentro e fora de mim?
Porque te vejo agora de pé ao meu lado?
E são as tuas mãos que me empurram o corpo, que me dobram o corpo e o acariciam e o sentem dentro.
E tu na janela abraçado a mim, e tu na estrada no homem que passa.
E aqui comigo…Sinto o teu calor…
E é o teu respirar que embacia a vidraça
E é o teu olhar que encontra o meu,
Enquanto te moves, enquanto me movo.
E tu ali na estrada… E tu aqui tão dentro...
Porque não te foste? Porque é que ficaste?
Que parte de ti em mim deixaste, que tanto te falta?
Que parte de mim não partiu contigo?
E tu, ali, parado, sombra no escuro, corpo silhueta que não é o teu.
Porque é que te vejo em todas as sombras?
Porque não sais dos meus olhos e de dentro de mim?
Porque é que te tornaste ar à minha volta?
Ar que eu respiro sorvendo-te a ti.
Porque não te foste?
Porque é que ficaste em todas as sombras, em todos os rostos, em todas as mãos?
Se tiraste a tua e te foste embora, se senti da minha a tua mão partir,
Que calor é este que me aquece os dedos, senão os teus dedos trocados nos meus?
Porque não te foste como prometeste?
Porque te instalaste tão dentro de mim, que se movo as coxas te moves comigo?
E não, não é desejo.
Não, não é amar-te.
Já que estás tão dentro, é amar-me a mim.
É amar o meu corpo sentindo os teus dedos, sentindo o teu corpo…
Ai...Porque não te foste?
Porque te tornaste sombra da minha sombra, corpo do meu corpo, ar que eu respiro, luz no meu olhar?
Porque me colaste os passos aos passos que deste?
Agora percorro as ruas e só te vejo a ti,
Em todos os cantos, em todas as todas as formas, em todos os outros.
Nem sei se te procuro
Ou se me procuro em ti.
Porque não te foste como prometeste?
Porque é que ficaste tão dentro de mim?

Foto: Halinkapow

13 comentários:

  1. Há pessoas que nos entram tanto na alma que passam a fazer parte de nós. Jamais sairão. Já nem somos mais o que éramos antes dos destinos se terem cruzado. Mudámos, tornamo-nos outros. Ninguém mexe connosco de forma tão intensa e sai depois das nossas vidas, deixando-nos como se nada tivesse acontecido.

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  2. Anónimo9/5/07 17:05

    Por acaso Charlie, este poema, como muitos que escrevo, é fruto de um desafio, uns quantos amigos acham piada à minha forma de escrever e mandam-me uma palavra ou uma frase para eu escrever sobre o tema, este a frase que mandaram foi: silhueta no escuro. Saiu assim. A mesma pessoa mandou-me outra frase: o papagaio da D. Miquelina, saiu um fado falado enorme, que nem tenho coragem para pôr no blog, um drama de faca e alguidar. é assim que nascem muitos dos poemas e contos : de desafios de amigos que acham piada eu escrever tanto. Um beijo e desculpa ter atropelado o teu conto, despassarei-me.

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  3. Lindo. Também porque parece vivido.

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  4. pergunto eu:
    - poderá alguém falar acertado daquilo que não sabe ??!!
    ( piscadela d´olho + sorriso )

    Uma vez mais adorei. Linguagem fluente, SIMPLES e por isso mesmo VERDADEIRA... ou real...

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  5. Anónimo9/5/07 18:38

    Papoila dão-me uma frase não me dão o poema lol. Esse é meu. um obrigada Anani.

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  6. por birra e porque não tinha pra onde ir...

    porque sim...



    *

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  7. Não vinha aqui há muito ....e que belo primeiro post para aqui me revEr ....

    Obrigado Encandescente continuas em forma

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  8. Que bela surpresa no meu regresso das estranjas. Bem hajas, Encandescente ,-)

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  9. Este é um bocado mais fodido pra musicar, não ?...Tenta os "The Who" estão numa de "revival" e o barulho continua o mesmo, segundo assegura o Peter...

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  10. A Encandescente não precisa de ser musicada, Zé. O que o Paulo Moura fez foi uma tentativa de pôr uns acordes que não estragassem a escrita.

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  11. O Paulo Moura é tal e qual a São Rosas: O que eles gostam mesmo é de por acordes nas escritas. :)

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  12. Desculpa não ter comentado o poema mais cedo.
    És excelente Encandescente. De uma qualidade invulgar. Rendo-me á tua força e criatividade. Muito bom.

    M. Bjf

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