Vocês sabem que eu sou confreira da Confraria do Príapo, desde a sua fundação (isto está mal escrito, não está?!) em 8 de Maio de 2009.
Recentemente, o professor José Nascimento, que presidiu à Confraria do Príapo, escreveu o artigo «De Braços Abertos – Garrafa das Caldas » para a «Gazeta das Caldas»:
"Caldas da Rainha é terra de invulgar e distinta riqueza cultural. (...)Apesar das dificuldades e insuficiências, a terra das termas e da cerâmica procura adaptar-se à evolução dos tempos e encontrar novos rumos, conjugando as oportunidades proporcionadas pela modernidade com os elementos mais ricos da tradição herdada. Entre estes, a “Garrafa das Caldas” e toda a cerâmica burlesca de natureza sexual é, sem dúvida, a mais famosa, mesmo não sendo a de maior valor cultural.
Sendo óbvio o cariz sexual e paródico desta cerâmica, entretanto alargada a outros materiais, já não é tão consensual o seu carácter erótico, ou até mesmo pornográfico. Tal dever-se-á ao facto de não ser clara a definição destes conceitos, nem rigorosa a sua utilização corrente, permitindo todo o tipo de interpretações. Entendo este défice conceptual e representação polémica como uma oportunidade para o debate e o esclarecimento. Na verdade, esta notória tradição das Caldas da Rainha carece de estudo e investigação apropriados, designadamente sobre as suas origens, natureza, características, objectivos e evolução, merecendo maior atenção por parte das entidades autárquicas, académicas e associativas do concelho. A 1ª Mostra Erótica-Paródica das Caldas da Rainha, realizada há cerca de um ano pela Confraria do Príapo, deu uma importante contribuição para esse desiderato.
Uma breve passagem pelos dicionários diz-nos que o erótico se refere à expressão sexual do amor ou do prazer, quando afirmada de forma sensual, artística ou simplesmente significativa, por vezes até ilícita e libertina, tendo em vista excitar ou satisfazer a libido. Por sua vez, o pornográfico cobre um leque alargado de manifestações sexuais, desde as coincidentes com o erótico até às propositadamente explícitas e obscenas, com fraco ou nulo mérito artístico, em grau que atinja o pudor, a moral ou os costumes, causando um intenso desejo sexual ou uma forte repulsa (ou ambos, ocorrendo então uma dissonância cognitiva). Como se vê, estas definições não são claramente delimitadas e, também por isso, não merecem generalizada concordância.
Parece-me que a representação fálica da “Garrafa das Caldas”, intencionalmente caricatural, tem cabimento na intersecção das duas categorias, com objectivos mais de paródia e provocação, do que de excitação ou satisfação sexual. Naturalmente que o resultado final dependerá da interpretação artística do objecto fálico ou afim, do contexto ou situação social em concreto e, decisivamente, do significado que lhe for atribuído por cada pessoa. De facto, nem toda a gente tem o mesmo sentido de humor e a mesma relação de cumplicidade ou conflito com o sexo. O essencial, numa sociedade livre e tolerante, é que as diferentes sensibilidades sejam acomodadas, de forma adequada e na medida do possível, permitindo a realização dos legítimos desejos e preferências de cada um. Afinal, a sociedade é isso mesmo, um mosaico de personalidades, valores e estilos de vida.
A “Garrafa das Caldas” é o símbolo de uma tradição que merece ser defendida e apoiada. Dela podem beneficiar muito mais a cidade e o concelho, os artistas, os artesãos, os comerciantes e a população em geral. Além da reputação que possui e do interesse que desperta na opinião pública nacional e internacional, esta tradição pode proporcionar o desenvolvimento de uma economia interessante, geradora de postos de trabalho e bem-estar social. Por aquilo que me é dado ver, a generalidade dos caldenses tem orgulho e apoia este seu património histórico, sobrando aqueles que, por razões que só eles verdadeiramente conhecem, se lhe opõem ou o desprezam. A esses, gostaria apenas de dizer que, em matéria de obscenidade, é muito mais reprovável o comportamento elitista, arrogante e hipócrita de alguns, do que a representação grotesca de um dom da natureza, ao qual devemos a nossa existência e com o qual lidamos todos os dias, com maior ou menor benevolência."
O Paulo Moura, outro confrade, deixou lá um comentário:
"Caro confrade professor José Nascimento,
Partilho da sua preocupação mas receio que a «classificação» da louça erótica das Caldas como sendo paródica é perigosamente redutora.
Espero dentro de algum tempo ter concluído o estudo «Religião e culto fálico na região Oeste», do meu amigo Carlos Almeida, para que possamos entender as origens pré-históricas e as vicissitudes por que os rituais de fertilidade passaram ao longo dos séculos, com especial destaque para a «guerra santa» feita pela igreja católica.
As Caldas – e toda a região Oeste – têm uma envolvência há milhares de anos considerada mágica. As águas curativas das termas… Fátima…
O falo das Caldas não é paródico. Essa componente paródica é muito recente (poucas dezenas de anos) e, em minha opinião, tem a ver com uma forma inteligente que os artesãos das Caldas adoptaram e mantêm para conseguir fazer passar o seu artesanato pelas malhas da Censura (antes do 25 de Abril) e da censura social que se mantém nos nossos dias.
Também por isso, sempre defendi que se deveria mostrar, nas Caldas da Rainha, que os rituais de fertilidade e a arte/artesanato eróticos existem desde há milénios e em todas as partes do mundo. Isso só valorizaria ainda mais os méritos da «louça das Caldas». Mas receio que a Confraria do Príapo, assim como a Câmara Municipal das Caldas da Rainha, optem por uma solução mais «caseira».
A minha colecção, muito provavelmente, irá para outra cidade. Tenho pena."
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