03 abril 2011
«Culpa» - por Rui Felício
Carlos Noronha fitava a Márcia que, constrangida, de olhos baixos, o ia ouvindo e respondendo com monossílabos e frases curtas às perguntas que ele lhe fazia.
Sentado ao seu lado, Nuno Lemos, amigo dela de há muitos anos, mantinha-se silencioso, evitando interferir no diálogo entre os dois. Ia olhando de soslaio a Márcia, ex-deputada, que ficou conhecida no Parlamento pela sua grande beleza, mais do que pelos dotes oratórios. Por vezes, levantava as sobrancelhas e disfarçava a sua discordância em relação a algumas coisas que ela dizia ao Noronha, mas mantinha um prudente silêncio.
O Noronha apercebia-se da crescente ansiedade que ela denotava e isso incentivava-o a prosseguir, desfiando-lhe argumentos em catadupa e convites à resposta que ele lhe exigia. Aquele belo homem hipnotizava-a, dominava-a. No íntimo, ela admirava-lhe os magníficos e cativantes olhos castanhos, o cabelo grisalho irrepreensivelmente tratado, o corpo musculado que se lhe adivinhava por baixo da roupa, a voz melíflua mas de uma sedutora e tépida sonoridade.Mas, ao mesmo tempo, sentia-se intimidada, incapaz de reagir, de lhe responder, de argumentar.
A cada palavra do Carlos Noronha, o coração apertava-se-lhe, os suores frios inundavam-lhe as costas, o peito, o corpo todo. As palpitações estremeciam-na, sentia as mãos húmidas, escorregadias. Quase não conseguia articular uma frase e quando o tentava fazer, as palavras saíam-lhe arrastadas, sincopadas, roucas, arranhando-lhe a garganta seca.
Assim estiveram os três, durante mais de duas horas, sentados naquela sala, até que finalmente o Carlos Noronha, Juiz de Instrução, se voltou para o Nuno Lemos e disse-lhe:
- Sr. Dr., a sua Cliente Márcia Rodrigues ficará a aguardar julgamento com termo de identidade e residência. Vou deduzir-lhe acusação de prática do crime de tráfico de influências.
Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações
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