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Sentou-se no banco ao lado do condutor para mudar de roupa. Não tinha vindo já preparada para a praia, e precisava despir o seu corpo das roupas citadinas, da melhor nata da moda, para vestir um bikini algo reduzido. Ele esperava lá fora, evitando olhar para dentro da viatura, num exercício de pudor e respeito por ela. Imaginava, nos seus segredos, o momento em que o banco daquele carro era tocado pelo mais íntimo pedaço de pele dela. E isso excitava-o. Mas não só a ele. Mesmo para ela, aquele gesto era algo mais do que um aspecto prático, era uma pequena transgressão, o receio de ser apanhada desnudada, a distenção daqueles pequenos segundos em que efectivamente estaria despida num tempo que, para os seus sentidos e percepção do tempo, seriam longos minutos. Os longos minutos dela que contrastavam com os curtos dele, para quem aquele momento era demasiado curto. Sem oferecer um vislumbre, sem poder tocar, sem a poder sentir na ponta dos seus dedos.***
Por muito interessante que considere a afirmação de Savater, e asseguro-vos que a acho deveras interessante, apenas me parece possível concordar parcialmente: com a evaporação gozosa da distinção entre fins e meios. E discordar do nem antes nem depois. Há um antes do prazer e um depois do prazer, ainda que o momento do prazer nos retire a noção disso.***
Quando o puxou para perto de si, a erecção dele tocava despudorada a genitália dela, com ténues fronteiras de tecido a marcar uma linha que não se ultrapassaria. Mordia ela os lábios, semi-cerrava os olhos, parecia querer senti-lo dentro dela, e as pernas fechavam-se atrás das costas, os pés trancavam o corpo dele contra o dela. O mundo encolhia e formava-se uma bolha que os isolava de tudo o mais. E depois, depois quando partiram, sentados lado a lado, perguntou-se o que faria aquela mão. Disse que se fosse noutro momento, noutra altura, teria pegado na mão dele. E pegou. Pegou e colocou-a entre as pernas dela. Era um calor húmido, aquele que ali se sentia. O mundo acabava ali. Não havia antes nem depois. Havia aquele magnífico par de coxas que abraçava a mão dele contra uma vulva convidativa. E a mão dela, que fechava o universo, que forçava o contacto. Que dizia que eu quero prazer e tu vais dar-mo. E por mais que se apertassem as moléculas não se fundiam. Agarravam-se o mais que podiam, querendo fundir corpos sem realmente os fundir. Sempre com as ténues fronteiras de tecido a marcar linhas ondulantes ao vento. Mordia ela os lábios e ele mordia o que podia. Ombros, orelhas, dedos.***
O antes do prazer é um antes de crescendo. Do desejo porventura desmedido, inconsciente, motivador de todas as coisas. Desejo último que arranca forças ao mais esbatido. O depois do prazer é um delta de um grande rio. Dá para qualquer lado num conjunto de fios de água. Navega-se pelo delta de acordo com o talento. Navega-se à vista. Pode ser um depois sereno, que respeita o durante e tudo deixa em paz, ou revolto, nos salpicos de uma luta.Referência bibliográfica: Savater, F. (2003) – A coragem de escolher, Ed. D. Quixote, Lisboa
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Uma por dia tira a azia