04 outubro 2010

Carta ao Viajante (II)

...não me lembro de ter cobrado mais nada, tudo o mais, que me lembre, eu sempre dei. Mas isso não te posso dar ou ensinar, isso que pensas que é a arte do desprendimento, essa arte eu nem a sei. Conheço outra de que te falei, não era essa. Estava serena até quando perdi a serenidade. Sei, tudo é suposto ser desde que se seja, tudo acontece desde que se exista, tudo assim é, tudo pode ser. Podes contar-me mais segredos? Um dia perdemo-nos no vinho e encontramos a luz? Farei de ti literatura para que, agora que sabes, não te esqueças que já isso fizeram de ti. Tudo eu escreverei, nada contarei: a Rosa sempre na porta e a porta em mim, marcada nos meus braços. Já vi os teus dedos nos meus braços, vi-os com os olhos que vêem o que (ainda) não aconteceu. O medo? Eu tenho, tu sabes. Quando falámos, eu estava no cais e estava no medo porque estava a olhar para dentro, bem para dentro das pessoas que ali estavam, ao por-do-sol, ao cair da sombra da noite, ao levantar da cortina dos monstros e fantasmas desse palco do fundo delas; sentiste-o? Queres? Mas eu não te posso dar ou ensinar o que já tens. Escuta-o.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia